Quando os Homens Inventaram e Usaram Salto Alto

O que guerreiros persas, reis franceses e fotografos americanos tem a ver com a invenção e o uso e popularização do salto alto?

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Os persas e a invenção do salto alto para montaria

De uma coisa você pode ter certeza: se as mulheres usam roupas que as deixam desconfortáveis, elas foram inventadas pelos homens!  Não consigo imaginar alguém do sexo feminino dando ok no projeto do espartilho, por exemplo. Por outro lado, tenho que defender a galera barbada quando vejo que muito do que criamos como indumentária era para uso próprio e acabou migrando para o guarda-roupas das mulheres e, por incrível que pareça, o salto alto é um desses casos.

Os arqueiros persas e a invenção do salto alto

Primeiros sapatos de salto alto

Embora existam divergências sobre sua criação, a mais aceita é que foram persas, no século X, os responsáveis por esse tipo de salto no calçado. Como qualquer invenção da época, não havia estética envolvida: baseada na funcionalidade, a ideia era deixar o cavaleiro com os pés bem presos ao estribo, melhorando sua performance, principalmente em batalhas. E deu muito certo, especialmente para os arqueiros, que precisavam de toda a estabilidade do mundo para acertar um disparo quando estavam em cima de sua montaria. De quebra, o sujeito ganhava alguns centímetros de estatura, parecendo mais ameaçador quando estava cara a cara com seus inimigos.

Genial, não?

Tão genial que até hoje os calçados de equitação tem o salto ligeiramente maior, mesmo as botas dos cowboys americanos, caso você esteja achando que botas de montaria e testosterona não tem nenhuma relação.

Plataformas não foram inventadas nos anos 70

Sapatos de salto plataforma conhecidos como chopines

Mesmo os saltos com plataforma tiveram sua serventia na idade média: tanto homens quanto mulheres os usavam para manter os pés o mais longe possível da lama e dos excrementos que infestavam as ruas em uma época em que o saneamento básico não era exatamente uma prioridade. Claro que o ser humano, que preza pelo exagero, transformou em moda nos séculos XV, XVI e XVII as chopines que chegavam a ter plataformas de mais de 70 cm (!), causando acidentes e forçando os distintos membros da alta sociedade a andar usando seus serviçais como apoio. O absurdo chegou a tal ponto que leis foram criadas em diversas cidades (Veneza entre elas) proibindo saltos acima de uma determinada medida.

Voltando às botas de montaria, elas também eram usadas como uma forma de ostentação, afinal ter um cavalo na época em que eles eram um dos poucos meios de locomoção rápida, não era barato, portanto era possível saber o status de uma pessoa só olhando para seus pés.

A chegada do salto alto a Europa

Rei Luiz XIV com sapatos de salto alto no século XVII

Os saltos altos, similares aos que temos hoje, foram trazidos a Europa pelos persas no século XVII. Na época tudo que pudesse separar a nobreza da plebe era muito bem recebido, portanto reinavam entre homens e mulheres elementos que deixassem claro que ali ninguém pegava no batente, como perucões, pele alva (com ajuda de maquiagem, se preciso), roupas delicadas e, é claro, um calçado de salto que nunca seria usado por alguém que trabalhava na lavoura ou escavando fossos para castelos.

Com a adoção do salto alto pelo rei Luiz XIV (ele, de novo) mais uma vez a coisa ganhou proporções gigantescas, chegando ao ponto de surgir uma regulamentação para que o tamanho do salto acompanhasse a classe social do sujeito, começando em meia polegada para os plebeus e indo até 2 e 1/2 polegadas para os príncipes.

Quando os homens pararam de usar salto alto?

Durante século XVIII ainda não existia diferença entre o pé direito e esquerdo nos sapatos (a forma era a mesma) e, visualmente, a ponta fina entortada para cima e as fivelas eram a moda. Os saltos, que até então eram grossos, começaram a ficar mais finos, portanto desconfortáveis, mas cada vez mais atraentes para as mulheres que passaram a ser o maior público alvo dos fabricantes de calçados. Consequentemente os calcanhares também se tornaram mais delgados para abrigar o delicado pé feminino, tornando o caminhar do homem, que decidisse usar um desses sapatos, bem doloroso e complicado. Some a isso a chegada do Iluminismo, com seus ideais voltados para ao desenvolvimento intelectual, liberdade econômica e política, além da crítica aos privilégios – sobretudo da nobreza e do clero –  e você vai notar que a medição de salto (com o perdão do trocadilho) não importava mais para a burguesia ou para a realeza pós Queda da Bastilha (1789).

Pin-up com sapato de salto alto

Na metade do século XIX os saltos altos saíram de moda, sendo reduzidos a peças de 1 polegada apenas. Entre os homens, os sapatos com salto alto nunca mais chegaram a fazer parte da moda urbana, já as mulheres viram a reintrodução dessa tendência depois que os fotógrafos de pin-ups nos anos 40 e 50 notaram o quanto esse tipo de calçado alongava as pernas das modelos e aumentava sua sensualidade. A partir daí os saltos tipo estiletto (agulha) ficaram intimamente ligados a uma silhueta feminina considerada sexy, alimentando o fetiche de muita gente.

Sapatos de salto alto hoje em dia

E interessante notar que mesmo as mulheres nutrem uma relação de amor e ódio com os saltos altos. Nos no fim dos anos 60 e 70 eles entraram em decadência, voltaram na década de 80, novamente foram colocados de lado nos anos 90, experimentaram mais uns 10 anos de alta a partir do início do século XXI e nos últimos anos entraram em queda de popularidade, pois o público feminino atual busca conforto e praticidade, sobretudo no trabalho. Ainda assim muitas delas não abrem mão do salto, principalmente quando querem ganhar um pouco de estatura.

Sapatos para homens baixos com palmilha que incrementa a estatura

O mesmo não se pode dizer dos homens, os sapatos com palmilhas e solas mais grossas conseguem adicionar até 7 cm a altura com discrição e muito mais conforto, existem até marcas especializadas nesse tipo de sapato que investem em torná-los mais tecnológicos e ergonômicos a cada ano. Pelo jeito nem mesmo os baixinhos pensam em apelar, já que existe uma alternativa bem melhor.

No fim das contas

Observar a história do salto alto serve para nos mostrar como um adereço funcional pode se tornar algo superficial, ser adotado pelo sexo oposto e acabar rejeitado pelo gênero que o criou – levando-se em conta que estou ignorando os desdobramentos dentro da comunidade LGBT e os significados que esse tipo de calçado pode ter na sua história e no seu cotidiano.

Você pode estar se perguntando se ele pode voltar a ser usado pelos homens? Acho difícil, pelo menos em um futuro próximo. Com a indumentária masculina cada vez mais voltada para a funcionalidade, produtividade e conforto, o espaço para algo assim é bem reduzido. Também não enxergo nenhuma tendência próxima que poderia mudar os costumes heterossexuais tão radicalmente.

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